“Não há muitas pessoas que tenham tido a sorte de Rute e Diogo Jota”

“Continua a ser difícil escrever o que quer que seja sobre Diogo Jota. Apago e volto a escrever”, começa assim o ‘Postal do Dia’ do escritor Luís Osório dedicado à tragédia que se abateu sobre a família do internacional português após o acidente de viação que vitimou não só Diogo Jota como também o seu irmão mais novo, André Silva, também ele futebolista.
Luís Osório dedica algumas palavras aos pais das duas vítimas: “Sobre os pais, a dor de perder os seus dois filhos. O Joaquim e a Isabel que entregaram o melhor das suas vidas ao sonho do Diogo e do André. Eram operários fabris, ele numa empresa de gruas, ela numa fábrica de componentes elétricos para automóveis. Durante toda a juventude dos seus miúdos gastaram tudo o que tinham em comidinha da boa, a melhor possível para que crescessem com músculos fortes. Perderam os seus dois filhos, o que dizer acerca do impossível de dizer? Queridos Joaquim e Isabel, este não é o tempo para lugares comuns, mas há netos que precisam da vossa presença.”
Depois, refere-se a André Silva: “Apago e escrevo. Sobre o André, sobre esta coisa de ser o filho mais novo, o que não se cumpriu tanto como o irmão, mas que era sempre o primeiro a aplaudir os feitos do Diogo. Sobre a crueldade de ter morrido na mesma curva, mas ser esquecido na maioria dos comentários. Apago e escrevo”, continua o escritor.
Será o destino que está marcado para todos nós? Considera Luís Osório: “Sobre o óbvio. O de estarmos todos nas mãos de qualquer coisa que nos transcende, talvez um destino, talvez uma inevitabilidade escrita no lado escondido da lua, estamos aqui e deixamos de estar. Tudo pode acontecer num segundo. Um coração que falha subitamente, um carro que se despista, um atropelamento, uma queda injustificada. Somos pequenos perante esta imensidão de perguntas. Apago e escrevo.”
Os três filhos de Diogo Jota: “O Dinis, de quatro anos. O Duarte, de dois. E a Mafalda que nasceu em novembro passado, a Mafaldinha que ainda não sabe andar. Apago e escrevo.” Prossegue Luís Osório, agora sobre o casamento celebrado menos de duas semanas antes da tragédia: “Sobre o casamento finalmente celebrado de Diogo com Rute, há meia dúzia de dias na Igreja da Lapa, no Porto. O seu vestido de princesa com um corpete e um decote em forma de coração. Os seus sorrisos luminosos. Os olhos de Rute que o apaixonaram na primeira vez que a viu a entrar no Liceu de Gondomar. O namoro da adolescência. As promessas que ninguém levou a sério por serem muito novos e o Diogo ser jogador da bola e ter talento.”
“Os jogadores da bola quando têm sucesso estão condenados a caminhar no deserto das tentações. Condenados a verem mulheres bonitas, condenados a conhecer pessoas que existem para lhes fazer todas as vontades, para lhes oferecer tudo a que têm direito. Escrevo e não apago. Porque a história de amor de liceu foi a história de amor de uma vida. Uma história que diz de Diogo, o nosso Diogo Jota. Tornou-se um enorme jogador. Chegou ao Liverpool onde se tornou um ídolo. Foi herói na seleção portuguesa. E todas as tentações foram ignoradas. Não por escolha, mas por Diogo nem sequer as ver, nem sequer perceber que estavam no seu caminho. Nos seus olhos apenas vivia a Rute, a mesma que encontrou numa manhã de primeiro dia de liceu”, reflete o escritor.
E termina: “A menina de Gondomar, talvez sua vizinha, a mãe dos seus três filhos, a Rute de olhos bonitos a quem, depois do primeiro beijo, jurou que seria para sempre. E foi para sempre. Um abraço, Diogo e Rute. Que sorte tiveram. Não há muitas pessoas que tenham tido a vossa sorte. Mesmo que pareça azar, mesmo que pareça o fim do mundo, os anjos estão a celebrar no paraíso a vitória do amor e da eternidade.”